Foto mostra Wanderlei Barbosa entregando cestas básicas no distrito de Buirtirana, durante período da pandemia
Ruraltins/Governo do Tocantins
A Polícia Federal deflagrou a segunda fase da Operação Fames-19, que levou ao afastamento do governador Wanderlei Barbosa (Republicanos) e da primeira-dama, Karine Sotero Campos. A polícia apura o desvio de recursos públicos na compra de cestas básicas no Tocantins. Segundo decisão, um dos institutos contratados não entregou os produtos e pegou cestas emprestadas para mostrar à fiscalização e burlar o sistema (veja mais detalhes abaixo).
A operação realizada nesta quarta-feira (3) investiga crimes de frustração ao caráter competitivo de licitação, peculato, corrupção passiva, lavagem de capitais e formação de organização criminosa. Mais de 200 policiais cumpriram 51 mandados de busca e apreensão e outras medidas cautelares no Tocantins, Paraíba, Maranhão e Distrito Federal.
Clique aqui para seguir o canal do g1 TO no WhatsAppO governador afirmou, em nota, que recebe a decisão com respeito às instituições, mas se trata de uma “medida precipitada”. Afirmou que os fatos ocorreram na gestão anterior, quando tinha o cargo de vice-governador e não era ordenador de despesas. Também afirmou que determinou auditoria nos contratos e acionará os meios jurídicos necessários para reassumir o cargo (veja nota completa abaixo).
A primeira-dama informou que vai se dedicar à sua defesa e que está convicta de que irá “comprovar total ausência de participação nos fatos” (veja nota completa abaixo).
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Cestas básicas emprestadas
Conforme a decisão, o Instituto para o Desenvolvimento e Gestão Social, Esportiva e Cultural (Idegesesc), um dos contratados para produzir cestas básicas, não entregava esses produtos. A empresa supostamente pegava emprestadas cestas, montadas por outra empresa, para poder ludibriar a fiscalização da Secretaria de Estado do Trabalho e Desenvolvimento Social (Setas).
A Idegesesc posteriormente mudou de nome para Instituto para o Desenvolvimento Educacional, Social e da Saúde (Idess). Conforme dados da Receita Federal, a empresa permanece ativa e tem como atividade principal “organizações associativas ligadas a cultura e a arte”. O capital social informado é de “zero real”.
O g1 solicitou um posicionamento ao instituto, mas não teve resposta até a publicação da matéria.
Diálogos entre Paulo César Lustosa e seu irmão Wilton Rosa Pires, nos dias 7 e 8 de fevereiro de 2022, mostram que os dois teriam combinado de levar as cestas até o Instituto para receber a visita da fiscalização da Setas, na época.
WILTON: Então, cê já tá indo pra lá, fala pra mim que eu vou pra lá então (…) que eu tô com o carro aqui cheio de cesta eu tô doido pra botar essa cesta lá e esperar amanhã fazer a visita lá na SETAS né, fiscalização, e depois colocar novamente a cesta no carro e entregar lá pro [pessoa que emprestou as cestas] que ela é emprestada né, ele me emprestou só (…)
PC LUSTOSA: agorinha
PC LUSTOSA: passar no chaveiro
WILTON: Chegando aí
PC LUSTOSA: blz
WILTON: Ela vai atrasar um pouco o pessoal da SETAS. Me mandou aqui.
Momento em que fiscais dos contratos fizeram fiscalização no instituto
Reprodução
Além dos empréstimos de cestas, a investigação apurou que também eram forjadas fotos mostrando a suposta entrega das cestas básicas. Em outra conversa, realizada no dia 17 de fevereiro de 2022, Wilton solicita a Paulo uma lista com 1.500 nomes e CPFs, que seriam entregues ao secretário executivo da SETAS, com o intuito de prestar contas do falso recebimento das cestas básicas. Paulo então afirma que queimou “as coisas da campanha”.
WILTON IRMÃO LÍDER: (Encaminha áudio de uma terceira pessoa não identificada). “Wilton, tem como você ver com o PC ou você conhece alguém que tenha uma lista de nomes…. nomes, CPFs, a gente precisa de uns mil e quinhentos nomes ainda pra completar a lista, tá? Pra fazer a prestação de contas lá das cestas que o [Secretário] não tem né, e aí tá precisando desse restante. Fala com ele aí, vê aí se o PC tem alguma coisa ainda da campanha dele. É só nome e CPF”.
PC LUSTOSA: Meu Deus
PC LUSTOSA: Tenho nada, irmão, as coisas da campanha queimei tudo.
No dia seguinte, Wilton diz que conseguiu arrumar 600 nomes, mas que ainda faltam 900.
O g1 tenta conta com Paulo César e Wilson Rosa.
Investigações apontaram também que a contratação das empresas seguia um modus operandi, em que o pagamento era feito antecipadamente e a entrega das cestas era realizada em um momento posterior. Conforme a decisão, consultas no site da Transparência do Tocantins mostraram que houve um pagamento ao Idegesesc em dezembro de 2021, no valor de R$ 256 mil.
“Também chamou atenção o fato de que, o termo de acordo, segundo as publicações, foi firmado em 07/12/2021, poucos meses após a assunção do cargo de governador por WANDERLEI, e o pagamento efetivado no mesmo mês, mas as fotos e a suposta prestação de contas somente ocorreram em fevereiro de 2022″, descreve a decisão.
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Reprodução/Instagram Wanderlei Barbosa
Conforme a decisão, a Idegesesc recebeu pagamentos do Estado do Tocantins até julho de 2024, por meio da Secretaria Estadual dos Esportes e Juventude, previamente titularizada por Karynne Sotero. As investigações apontaram que, desde a criação da empresa, havia a intenção de destinar emendas parlamentares para ela.
Segundo a decisão, Karynne esteve como presidente do Idegesesc no período de 17/01/2013 a 16/10/2019. Mesmo depois de deixar o cargo de presidente, ela ainda mantinha as chaves do Instituto em seu poder, o que, segundo a polícia, aponta que a relação da primeira-dama com a instituição foi mantida.
“Ao que tudo indica, a Sra. KARYNNE continua vinculada ao IDEGESESC até os dias atuais, haja vista que em diálogo entre os irmãos PAULO CESAR e WILTON ser afirmado que, nesse ano, em 06/2024, a Deputada Estadual CLAUDIA LELIS os havia procurado para destinar uma emenda parlamentar, preterindo o próprio instituto (vinculado à Deputada Estadual), o que seria explicado pela intenção de se aproximar da Sra. KARYNNE”, diz a decisão.
O g1 solicitou um posicionamento sobre a relação da primeira-dama com o Insituto. A assessoria manteve a nota enviada anteriormente sobre a operação (veja íntegra abaixo).
A reportagem também solicitou um posiciomento à deputada Cláudia Lélis, mas não teve retorno até a última atualização da matéria.
Operação Fames-19
A operação foi chamada de Fames-19 em referência à insegurança alimentar ocasionada pela pandemia de Covid-19. Fames, significa “fome” em latim e “19” faz alusão ao ano em que a doença foi descoberta.
Em agosto de 2024, Wanderlei Barbosa e a esposa Karynne Sotero, secretária extraordinária de Participações Sociais, foram alvos de busca na primeira fase da Operação Fames-19. Nessa fase, políticos e empresários estavam entre os alvos.
Durante o cumprimento das buscas na casa e no gabinete de Wanderlei, os policiais federais encontraram R$ 67,7 mil em espécie, além quantias em dólares e euros.
Íntegra da nota do governador Wanderlei Barbosa
Recebo a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) com respeito às instituições, mas registro que se trata de medida precipitada, adotada quando as apurações da Operação Fames-19 ainda estão em andamento, sem conclusão definitiva sobre qualquer responsabilidade da minha parte. É importante ressaltar que o pagamento das cestas básicas, objeto da investigação, ocorreu entre 2020 e 2021, ainda na gestão anterior, quando eu exercia o cargo de vice-governador e não era ordenador de despesa.
Reforço que, por minha determinação, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) e a Controladoria-Geral do Estado (CGE) instauraram auditoria sobre os contratos mencionados e encaminharam integralmente as informações às autoridades competentes.
Além dessa providência já em curso, acionarei os meios jurídicos necessários para reassumir o cargo de Governador do Tocantins, comprovar a legalidade dos meus atos e enfrentar essa injustiça, assegurando a estabilidade do Estado e a continuidade dos serviços à população.
Íntegra da nota de Karynne Sotero Campos
Reitero meu respeito à decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e às instituições, ressaltando que irei dedicar-me plenamente à minha defesa, convicta de que conseguirei comprovar minha total ausência de participação nos fatos que estão sendo apontados.
Desejo que tudo seja esclarecido e reestabelecido com brevidade e justiça, pelo bem do povo tocantinense, a quem dedico meu trabalho e compromisso.
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Fonte: G1 Tocantins
